Tenho suportado em diferentes graus de intensidade a "raiva do condutor" contra o ciclista. Já aconteceu uma dúzia de vezes que um taxista se coloque atrás de mim a apitar ininterruptamente durante 10 ou 15 segundos só porque acha que a bicicleta lhe está a tapar o caminho. Não vale a pena invocar a razão ou o próprio Código da Estrada que estabelece o princípio, para alguns surpreendente, de que o velocípede sem motor é, para todos os efeitos, um veículo de pleno direito na via pública. Normalmente reajo, chamando entredentes um nome à mãe dele e sigo em frente, tentando alhear-me do estridente som da buzina. Quando me ultrapassam, fazem uns gestos e dizem umas coisas que dá para adivinhar, mas o episódio normalmente fica por ali. Até porque nenhum desses valentões tem coragem para parar à frente e esperar por mim fora do carro. Não se deve reagir, porque a "raiva do condutor" é isso mesmo: uma cega e irracional agressividade, potenciada pela sensação de "casulo" protector que o veículo lhes confere.
Domingo, 15 de Fevereiro de 2009, pelas 9:30 Horas da manhã, as coisas passaram as marcas. Eu o e Bernardo circulávamos na Infante D. Henrique entre Santa Apolónia e o Cais do Tabaco numa zona com grande irregularidade no pavimento, fruto de muitos buracos, tampas metálicas de esgotos e de telecomunicações e, em especial, da incúria dos deploráveis autarcas que Lisboa tem tido. Vinhamos em rota paralela na faixa BUS, embora o Bernardo viesse um pouco atrasado, pela esquerda, em relação à minha bicicleta, para viabilizar que eu me pudesse desviar dos muitos acidentes do percurso. Fomos ultrapassados por um autocarro articulado da Carris e o Bernardo perguntou-me na descontracção do passeio dominical se os Condutores da Carris não reclamavam pelo facto dos ciclistas circularem na faixa BUS. Respondi que não, que os condutores da Carris são especialmente colaborantes com os ciclistas, ainda mais ao domingo de manhã, quando o transito automóvel é escasso.
De repente ouve-se um apito estridente mesmo atrás de nós. O timbre da buzina permitiu identificar de imediato que era um mercedes. E, se era mercedes, era Táxi. Olhámos para trás e deparámos com um taxista a gesticular, percebendo-se que estava a reclamar pelo facto de circularmos quase a par. Prosseguimos a marcha e encolhemos os ombros em sinal de nem valer a pena falar com a criatura, pois que a via naquele local tem a faixa do BUS e mais duas paralelas no mesmo sentido e ele só não nos ultrapassou porque preferiu colocar-se atrás de nós a apitar. Acrescento que àquela hora não havia transito quase nenhum naquele local.
Ainda mais enraivecido pelo facto de aqueles dois ciclistas não lhe saírem da frente - depois destes anos todos a "levar" com gajos destes, concluí que eles só se acalmam se desmontarmos da bicicleta e a levarmos à mão para o passeio, deixando a estrada livre e devoluta para eles passarem -, o fulano coloca o carro ao lado do Bernardo e atira com o carro para cima dele numa guinada homicida. Eu gritei a avisar e o Bernardo só não caiu porque ele em cima de uma bicicleta tem "muitos anos a virar frangos". Desviou-se também ele para cima de mim para não ser abalroado. Mesmo assim sofreu um embate na perna esquerda que o desequilibrou levando-o com os pés ao chão.
Parámos. O Taxi também. E o homem, obeso e com cara de parvo, gesticulava manifestando a sua raiva de condutor.
Depois de interpelado " Oh filho da puta, tu és doido ?" "Queres matar alguém ?" "Não vês o que está a fazer ?", é que o fulano parece ter caído em si e arrancou em grande velocidade. Até porque o Bernardo tinha desmontado e se dirigia para o carro.
Mas azar o dele:
Mais à frente, no semáforo da Casa dos Bicos - local onde o transito agora é desviado por causa das obras no Terreiro do Paço, estava um agente da PSP. Com um sprinte vigoroso, conseguimos gritar para o Polícia o mandar parar. O bandido ainda tentou fugir, mas percebeu que o Polícia lhe estava a tirar a matrícula e acabou por parar.
O Taxi é o que está na fotografia.
Cobardemente o gajo não saiu do carro. Isso queria eu para lhe dar um pontapé que lhe partisse uma rótula enquanto o Bernardo distraía o Agente...
O grande valentão a passar o B.I. ao Agente até tremia... E balbuciava: "Mas eu tenho cara de assassino?". Ao que eu respondi que "Tu tens é cara de um grande filho da puta. Mas depois explicas isso ao Juiz". Sabemos que os valentões quando são apanhados e têm de prestar contas largam um cheiro a merda de fralda que não se aguenta. Já presenciei essa situação várias vezes.
Enfim, tenho a sina de levar com os malucos da cidade, por isso vai ser mais um processo judicial, como outros que já tenho a correr contra outros malucos deste mundo. Aliás o processo já está em marcha, pois o Agente da PSP tomou conta da ocorrência.
Saliento, à laia de conclusão, que a situação passou as marcas do insulto e do apitar buzineiro. Também não foi um "toque" de transito involuntário e fortuito. Ao contrário, o taxista, bem sabendo que poderia ter tido outra conduta, deliberadamente atirou o carro para cima de dois ciclistas que não conhecia e cuja única "falta" consistia em circular pela via pública à frente dele.
A conduta do Armando - é assim que o filho da puta se chama - tinha a intenção de atingir fisicamente os ciclistas, sendo o meio utilizado - a investida de um automóvel com o peso de quase duas toneladas - idóneo a causar ferimentos sérios ou, até a morte, aos dois ciclistas.
Assim, não tenho dúvidas que o filho da puta irá responder por tentativa de homicídio. Ele não fez aquilo sem querer. Ele agiu com intencionalidade. E terá que levar uma lição, obviamente. Porque a lei da vida tem-nos explicado uma coisa muito prosaica: eles são muito valentões ou muito malucos, mas quando sentem o "cú ao pé das calças" regra geral têm acessos de clarividência e de bom senso. Até lá pensam que escapam. Mas para todos os homens e mulheres deste mundo há um dia. O tal dia...