O cicloturismo organizado actual é um reminiscência das organizações de cidadania da década de 70, quase todas ligadas aos orgãos de base de certas forças políticas. Programam-se uns passeios ao longo do ano para se mostrar trabalho e nada mais acontece. É certo que nos últimos anos se têm multiplicado o número de associados - em especial na vertente BTT -, mas tal se deve exclusivamente às condições muito vantajosas de uma apólice de seguro que a Liberty tem contratada com a Federação. Por mero efeito de inscrição na Federação, o ciclista passa a beneficiar de um seguro muito mais barato do que aquele que conseguiria em negociação directa com as seguradoras. Tem sido este o grande mérito do cicloturismo organizado português. Ultrapassados os traumas de Abril - que obrigavam a que o utilizador de bicicleta fosse um proletário consciente da sua classe e da vanguarda que lhe cabia apoiar - entrámos numa fase sociológica que considera a bicicleta um instrumento de lazer e de saúde. Também deveria ser um meio de transporte urbano - mas o saloio novo-riquismo português vai durar muito tempo a reconhecer essa valência.
A causa do ciclismo - bem como a do ambiente - não é de esquerda nem de direita. Decorre do mero bom senso. Culturalmente sou de direita, sendo previsível o sentido do meu voto. Mas o ciclismo prevalece sobre tudo o mais. Tenho andado a provocar alguns candidatos com a questão do ciclismo na cidade. Um deles já acusou a recepção da minha mensagem no respectivo site.
No fundo, não acredito que qualquer deles queira pegar na questão do ciclismo. Seria a primeira vez desde a generalização da vacina tríplice que os políticos em Portugal actuariam com seriedade numa questão de saúde pública.
Quem quer que ganhe as eleições, na melhor hipótese, vai continuar a fazer umas "ciclovias" para inglês-ver interrompidas a cada 100 metros por um semáforo, que servem para tudo menos para andar de bicicleta ou para praticar ciclismo. E enquanto as pessoas não tiverem à disposição ciclovias "expresso", ou seja, resguardadas e com poucas interrupções de percurso, a utilização da bicicleta como transporte urbano alternativo não se vai generalizar, pois os ciclistas serão obrigados a consecutivas paragens reveladoras da subalternidade em relação ao todo-poderoso automóvel e ilustrativas da total ineficácia do conceito. E as pessoas só mudam para melhor. A ciclovia ou consegue ser competitiva em relação ao automóvel, ou está votada ao fracasso.
O passeio com António Costa promovido pela Direcção da Federação foi uma consequência natural das sondagens. A Federação, com uma mão estendida, o barrete na outra e o rabo entre as pernas, foi bater à porta do mais provável futuro presidente. Até porque Carmona não pagou o subsídio - cerca de 30.000 € - à Federação nos dois últimos anos. Ou seja, o costumeiro pedinchar do subsídio camarário, com o compromisso implícito de "enquanto pagares, nós Federação, não fazemos ondas". E o cicloturismo fica por onde tem andado. Ou seja, sem ondas para lá das lombas do alcatrão. E comprometido com o poder autárquico - qualquer que ele seja. Até porque a este só cabe sustentar os clips e as fotocópias que muito se gastam nestas federações amadoras.
Por isso, Azurara, descansa que não vou votar no Costa. O gajo sabe lá o que é uma bicicleta...
Notas:
1. Aceitam-se interpretações da foto, no contexto supra.
2. Em BTT não é exactamente como descrevi. A "modalidade", por ser mais recente, conseguiu não ficar com as mobílias federativas. Mais leves e arejados, os rapazes e as raparigas do BTT têm conseguido fazer umas coisas engraçadas. Só lá estão pelo seguro barato, fazendo vida quase em separação de bens. Estou a pensar mudar para o BTT.