VASCO DA GAMA

Já atravessei, antes, a Vasco da Gama. Não vai ser novidade. Mas com vento vai ser obra. Porque desta vez é a despachar. A Lusoponte tem que vender tiquets de portagem e não pode estar muito tempo parada.

Conheço bem o percurso por Xira, Porto Alto, Alcochete. Tantas vezes o fiz em solitário. E costumo seguir viagem para Montijo, Moita, Coina. A partir daqui concilio o horário do próximo comboio da Fertagus com o local onde me encontro. Posso apanhar o comboio entre Coina e Almada/Pragal. Passam a cada meia-hora. Tudo depende se já vão sendo ou não horas d'almoço. Desembarco em Lisboa, mesmo em frente à casa da Sulista na esperança, sempre frustrada, que ela grite da varanda que o petisco está pronto.

De Porto Alto até Alcochete o percurso estende-se numa longa recta com 17 Km, orientada de Norte para Sul e vice-versa. Com brisa pelas costas, com concentração, faz-se a 40 Km/hora. Mas isso exige a pedaleira grande e ao fim de 5 minutos de esforço muscular acrescido já se percebe quem tem andado a treinar. A recta acaba no entroncamento junto ao Campo de Tiro de Alcochete, no exacto local onde morreu aquele miúdo da minha terra que era vedeta dos Morangos com Açucar. O eucalipto ainda lá está. Descascado e arrogante. Tem feito mais vítimas como se infere de uma pequena lápide e de diversos ramos de flores que se vão desfazendo ao sabor do vento. Mais abaixo, uma família ambulante de imigrantes brasileiros vende fruta da época. Agora, morangos e cerejas, certamente. Já lá matei a sede com melão. E a solidão com conversa de circunstância.

Até Alcochete são mais 5 Km. Nos acessos às rotundas há mais ramos de flores secas. Já os cheguei a ver frescos e viçosos a marcar no alcatrão os vestígios recentes do sangue da madrugada.

Estou a ficar velho. E tétrico. Começo a conhecer as estradas pelos mortos que fizeram.