RICARDO MARTINS

VERITAS FILIA TEMPORIS (Na verdade, oh filha, temos tempo)





O filho veio ao meu encontro em pânico: "Por favor, ajude, que o meu pai caiu e não dá parte de si. Se calhar está morto..." Porra. Que soco no estômago. Acudi, obviamente. Com a minha Kuota ao ombro, matagal dentro como no ciclocross. Estava a cem metros da estrada alcatroada. Desmaiado. Saltara com uma BTT, aterrara com a roda da frente, batera com a cabeça. Sangrava da fronte esquerda com abundância. Começou a balbuciar palavras, poeira e sangue. Ai o caraças. Liguei para o Inem. Por favor, venham depressa, deixem-se de perguntas, que o ciclista aterrou de cabeça, perdeu os sentidos, o pescoço pode estar comprometido. Tem entre 40 e 50 anos. Por favor mandem a ambulância. Alameda Keil do Amaral, zona de lazer em Monsanto. Sabem onde é ? Olhe que não tem acesso de carros.
O Inem demorou tanto tempo pois o pino central da Alameda Keil do Amaral estava fechado à chave e, por isso, inamovível. A ambulância e o carro de assistencia rápida do Inem tiveram que fazer corta-mato para aceder ao perímetro de lazer de Monsanto. Deixa estar Zé Luis, o que é preciso é que recuperes a saúde. Pelo meu lado, prometo-te que vou chatear, e muito, o cabrão do funcionário público que acha que aqueles pinos devem estar fechados à chave impedindo o acesso de viaturas de emergência. É que ao Domingo de manhã aquela zona é frequentada por alguns milhares de pessoas.


Tinha passado por Tomar e aproximava-me de Santa Cita. No início da localidade não dei importância à placa toponímica e não parei, até porque vinha a andar pelos 30 à hora em plano, graças a um pastel de nata tamanho familiar e dois nectares da compal que antes metera. E, meus amigos, com o depósito alimentado a octanas daquelas...
No segundo dia de viagem decidi fazer a minha afirmação política de princípio. Passei pelo Bush apenas para lhe dizer que nas minhas férias não precisava do petróleo dele, nem de nenhuma guerra que ele decidisse fazer para garantir o meu abastecimento. Pelo meu lado, a humanidade poderia ficar em paz por duas semanas.



Durante as muitas horas em solitário, o espírito navega, voa, flutua, voga ao sabor das preocupações, das saudades, das recordações ou dos estímulos visuais, auditivos ou odoríferos que fui encontrando. E tantas horas que eu tinha para me ir lembrando da minha malta, daqueles que, de uma forma ou de outra, preenchem e completam a minha existência de ser relacionado e gregário.
05.08.2007 - 17.08.2007 - Lisboa - Bragança -Lisboa
