Desde 1974 que a sociedade civil tem andado a sustentar através dos seus impostos uma Classe Militar com vencimentos, privilégios e regalias superiores ao comum dos portugueses e muito acima daquilo que a economia real pode suportar. Na década a seguir a Abril de 1974, a Instituição Militar teve dificuldade em abandonar o Poder Político, não porque quisesse ou soubesse governar, mas porque queria estar perto dos centros de decisão. Pois que tudo se reconduz à gamela e à garantia da mesma. Sem Ultramar para defender, sem a ameaça espanhola, centrou-se no Serviço Militar Obrigatório - aliás, de inigualável utilidade social - o exclusivo dos serviços prestados à Pátria. Extinto aquele, centrou-se nas Forças Especiais e nas Missões Internacionais de Pacificação a justificação da existência da Instituição Militar. Mas para estas funções residuais nunca foi preciso tanta gente. Ou seja, nunca houve a coragem de equacionar as funções da Instituição Militar e durante estes anos todos alguns soldados, muitos sargentos e muitíssimos oficiais foram passando à reserva aos 50 anos de idade, muitos deles sem nunca terem dado um tiro fora da recruta nem justificado a milionésima parte dos dinheiros que a sociedade no seu conjunto gastou com eles. Obviamente que esta generalização é ofensiva para aqueles militares - uma minoria, diga-se - que tiveram efectiva utilidade pública conforme acima identifiquei. Mas muitos desses são os primeiros a pretender a separação das águas, porque deram o litro e são metidos no mesmo saco daqueles que passaram uma carreira inteira a coçar a pele dos sofás nas messes e dos ditos pelas paradas.
No meu tempo quem não tinha capacidade para se arrostar com um curso superior, metia-se a sargento e, agora, aos 50 anos estão reformados com 2000 € por mês. E nesta malta da minha geração por cada dois ou três rapazes competentes que fizeram uma carreira militar digna e útil, houve 20 ou 30 que passaram uma vida de nada fazer. Viveram dentro do Quartel, para o Quartel, a passar formulários em quadriplicado sem qualquer utilidada para a sociedade. Mas agora estão aí a receber a pensão de reforma que eu, da mesma idade, vou continuar a pagar com os meus impostos durante mais 15 anos.
Ora bem, a sociedade civil já não pode sustentar mais uma classe militar sobredimensionada, com 50 Coronés para cada Regimento - para quem não sabe, um coronel, por definição, só deve existir se houver um regimento para ele comandar -, cujas patentes não são obtidas em função das necessidades logísticas, mas apenas como mera progressão automática de carreira semelhante a tudo o que acontecia na Função Pública. E chegámos a um ponto que, proporcionalmente, temos mais Generais e Almirantes do que a Potência Militar Norte-Americana. Numa situação muito parecida com a CP dos comboios onde temos um cargo de chefia por cada 1,5 trabalhadores de base. Ou seja, cada 3 homens têm 2 chefes.
Hoje em dia, perante as novas realidades da Geopolítica, perante os problemas do mar e a extensão da nossa costa, perante a escassez de meios financeiros, impõe-se reformular a Instituição Militar, mantendo o hiper-eficaz Regimento de Comandos-Paraquedistas como força rápida de intervenção e salvamento de cidadãos portugueses em qualquer parte do mundo e de uma Armada copiada da Guarda Costeira americana, com vasos de guerra de média dimensão, patrulheiros, salva-vidas, aviões de busca e helicópteros de salvamento. A Força Aérea, que produz os licenciados mais caros do País - os Pilotos-aviadores - formaria pilotos, não para os F-16 cuja operacionalidade é economicamente insustentável e inútil, não para a TAP e SATA - quem quiser cursos de pilotos que os vá pagar a escolas particulares - , mas para os Canadairs de combate a incêndios. O resto da tropa fandanga ia à sua vidinha. Não fazem falta. E, assim, os Militares, com fundamento na relevância da respectiva função, seriam respeitados. Como as coisas estão, a sociedade civil não consegue esquecer as centenas de milhar de reformados militares aos 50 anos de idade que andam por aí em manifestações corporativas a exigir aquilo que a sociedade já não lhe pode prestar. Ao mesmo tempo que ninguém os leva a sério, nem reconhece, na esmagadora maioria dos casos, qualquer utilidade às funções que prestaram dentro dos muros dos quartéis.
Em especial para salvaguardar a Honra da Instituição Militar que noutros séculos tanto deu à Nação convém rapidamente definir o que o nosso País necessita em termos militares. E na parte que não necessita ter a coragem de acabar com o escandalo de pagar vencimentos a funcionários públicos fardados com nenhuma utilidade para a sociedade.
Por isso, o General Eanes tem plena razão. A sociedade civil tem que definir para que precisa dos militares e, feita essa escolha, deve ser coerente e garantir o sustento das funções militares que escolheu até às últimas consequências.
Os Militares que passam aqui na Baixa de Lisboa em manifestações com ameaças veladas de recurso às armas, deveriam ter um pouquinho de vergonha na cara. Se não, um dia destes, quando ali passaram está lá um cartaz a dizer. "EU TAMBÉM GOSTAVA DE ME REFORMAR AOS 50 ANOS, MAS ESTOU AQUI A TRABALHAR PARA VOS PAGAR AS PENSÕES".
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