O MILAGRE

Por volta de 1970 uma minha prima direita - os nossos Pais eram irmãos - foi "desenganada" pelos médicos. Aos 11 anos de idade sofria de uma agressiva leucemia que a consumia por dentro e por fora. Lembro-me de a ver numa cadeira de rodas, magra até ao osso como só as anorécticas conseguem estar, sem capacidade, sequer, de se levantar ou de empurrar as rodas para se mover. Lembro-me do seu sorriso conformado nas faces chupadas e os seus olhos salientes, tremendamente salientes. Os médicos do Curry Cabral mandaram-na para casa "para morrer", porque "estava nas últimas". Em desespero, os meus Tios levaram a filha a um Herbanário que dava "consultas" numa garagem agrícola com portão mesmo por debaixo da varanda do prédio que está na fotografia. O que era uma actividade quase clandestina, pois a GNR e a PIDE não gostavam destas manifestações de medicina-popular. Os primeiros pela defesa do interesse financeiro dos médicos e da saúde pública, os segundos porque não. Apenas com chás, purgantes, revitalizantes e para "dar cor", a minha prima em seis meses recuperou o andar, o peso e acabou por fazer uma adolescência normal. Dois anos depois foi a uma consulta ao Hospital só para os médicos dizerem que não tinham explicação para o fenómeno.

O Herbanário ficou com a fama de milagreiro. Indevida, pois fui lá com a minha asma e saí de lá pior do que entrei. Se a minha primita tem ido a Fátima tinha sido um milagre divino. Se tivesse ido a Cuba, era a especial qualidade científica da medicina socialista. Assim, foi um milagre, ponto final. Está aí a completar 50 anos de idade e teve três filhos-homens.

Quando passo aos Casais Maçaricos, a caminho da Merceana, lembro-me naturalmente desta história. O Herbanário já era velho na época, portanto já terá morrido. E nem sequer era dali, pois arrendava a garagem um ou dois dias por semana, até ser preso, multado e confiscados os sacos de chá que ele vendia. Até montar o estaminé noutro local que o povo descobria sem publicidade ou aviso.