sexta-feira, abril 25, 2014

ONDE EU ESTAVA NO 25 DE ABRIL


Era Quinta-Feira. O levantar fora cedo. Às 6 da manhã. Era dia de visita de estudo ao Museu de Arte Antiga em Lisboa. Organizada  para o 4º ano dos liceus (actual 8º ano) pelo Padre Cerca,  esse Professor de História, de Moral e de Português que marcou uma geração de adolescentes e  que nos intervalos no pátio do Externato Académico de Bombarral já nos explicava há muito tempo que em Inglaterra havia eleições e dois partidos políticos que se alternavam na governação. Ciência Política muito adiantada para a época, portanto.
Na rádio passavam comunicados dos militares a exortar as pessoas a não saírem  de casa.  Depois de passar pelo Externato a confirmar o adiamento da visita de estudo por duas semanas, manhã ainda cedo fomos para a garagem dos irmãos Carmelo, ali ao Hospital, jogar ao sete-e-meio a rebuçados de meio-tostão.  Fracções a metade que bem comprovam o miserabilismo do Antigo Regime e a ambição revolucionária que a breve trecho fez os rebuçados aumentar para o tostão inteiro e redondo. Foi a minha primeira experiência com a inflação. Com tanta coisa importante em marcha tinha-se lá tempo para fazer trocos de meio-tostão....
 À hora do almoço fui levar a comida ao meu pai que estava de plantão no Posto da GNR, cercado por um valoroso contingente de militares de Caldas da Rainha. O soldado que vistoriou a cesta de verga para confirmar que as marmitas não disfarçavam uma arma que pudesse inverter o curso da história de Portugal tremia mais do que eu. Era apenas 4 anos mais velho e, pelos vistos, bastante inexperiente a fazer revoluções. Ou então estava a tremer de fome, que o galhardo Alferes, comandante da força, tinha estabelecido o cerco táctico   sem abastecimento de comida.  E o soldadinho quando lhe cheirou a arroz de tomate com peixe-espada frito, até revirou o olho. Ainda bem que tal comandante nunca abalou para África. Mataria as suas tropas à fome. Assim, apenas como revolucionário profissional na patente de tenente contratado, conseguiu uma carreira militar de muito êxito sem ter disparado um único tiro. Manteve-se na tropa durante 15 anos anos,  a receber todos os 14 meses do ano, até ter acabado o seu curso no Técnico em Lisboa e ter passado à reserva para exercer a sua profissão de Engenheiro e ultimamente de vereador municipal. Teve mais sorte do que eu que tive que trabalhar de noite para pagar as propinas na Católica quando chegou a minha vez. Por acaso, a última vez que estive com ele num almoço colectivo recusei-lhe o aperto de mão, mas por  razões de  carácter que nada têm a ver com o dia da revolução.

Perdemos o sinal  de Esc. 1.000$00 adiantado aos Claras de Caldas da Rainha para o autocarro que na época se chamava Camioneta de Excursão. Esc. 33$00 a cada um. Entrei logo a perder com o 25 de Abril. Nessa altura, não havia excursões gratuitas.  As borlas só vieram depois, com o Estado Social,  para serem pagas a partir de agora e  até 2060 pelos meus filhos e netos.

2 Comments:

Blogger Lura do Grilo said...

Gostei do post! Era assim a vidinha! Depois veio a "civilização" e o 25A deu um jeito. Eles ajeitaram tudo para nada ficarem a perder: da pequenita mordomia às honras e salamaleques constantes. A Educação pública doutrina bem.

12:48  
Anonymous Agnelo said...

Está muito giro, sim senhor. Muito mais divertido do que o meu 25 de Abril.

16:08  

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