sexta-feira, abril 25, 2014

A LIBERDADE QUE OS CAPITÃES DE ABRIL INSTALARAM

A canção que hoje persegue os políticos da era da troika nunca foi pacífica para as pessoas de Grândola - nem para o intérprete Zeca Afonso, que nunca mais lá a cantou depois de uma vez ter sido impedido de a terminar. Viagem ao passado recente de um símbolo.
A
quilo foi uma espécie de “Grândola” ao contrário, mas aconteceu em Grândola. Ninguém foi impedido de falar por causa da canção como se tornou costume agora, deu-se o inverso: a cantiga foi interrompida, o que é difícil de entender, os tempos eram tão estranhos que hoje ainda há quem oiça esta história custando acreditar nela. Parecia tudo às avessas, o mundo estava revirado pelos forros, e a prova é que o sucedido se passou com Zeca Afonso, a cantar o “Grândola Vila Morena” no salão dos Bombeiros Voluntários de Grândola, ali na Praça da Palmeiras, nome popular, uma vez que o verdadeiro é da República, com estátua de um republicano no meio. José Afonso começou, mas não acabou, não o deixaram terminar, aconteceu o impensável: apuparam-no, assobiaram-no, gritaram-lhe “esquerdista”, estragaram o espectáculo, estava o caldo entornado, não havia fraternidade, muito menos um amigo em cada esquina, o Zeca meteu a viola no saco, literalmente. Fez o que fazem hoje alguns ministros, quando pela canção não os deixam falar, estes tempos de troika também são dos avessos. Ele foi-se embora, abalou, como dizem os alentejanos.

Os manifestantes  (...) eram militantes do PCP, organizados ou voluntariosos, quem fala disso não o sabe dizer, não perdoavam a José Afonso o apoio a Otelo Saraiva de Carvalho nas presidenciais de 1976 contra o camarada Octávio Pato, nem a sua aproximação à LUAR, organização de extrema-esquerda, que como as outras forças radicais não alinhava com o Partido Comunista, força dominante no Alentejo e em Grândola também, pelo menos até 2001.
 O boicote foi testemunhado por José Horta, que foi próximo da UDP e hoje é presidente da Junta de Freguesia de Santa Margarida da Serra (independente pelo PS), e confirmado por Dulce Manuel, sobrinha do célebre Zé da Conceição, um dos responsáveis pelo convite que desencadeou a criação do poema do “Grândola Vila Morena”, mas essa é outra história, já lá vamos. Nem um nem outro se lembram da data certa do incidente, talvez em 1976, no máximo terá acontecido em 1978, (...)
José Afonso não esqueceria o episódio. “No fim do concerto, veio falar comigo e com os meus pais e estava muito aborrecido com aquela situação”, recorda Dulce Manuel. “Ficou muito magoado com Grândola”, diz.

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