CONTO PROLETÁRIO - PARTE II
(continuação)
...Aliás, a Mulher do sargento-mor só andava naquela vida por razões profundas da sua alma que a tanto a impeliam. Dava pelo nome de Alzira e pelos seus 17 anos abandonara a sua aldeia nos contrafortes do Marão e rumara a Lisboa. Conseguiu encaixar-se como criada de servir em casa de um Desembargador Jubilado, ao Campo de Santana, por recomendação veemente do senhor Prior, quase gratuita, já que Alzira apenas fechara os olhos por uns instantes enquanto o bom homem transpirava no confessionário mirando-lhe o decote aberto.O Senhor Desembargador mantinha uma compostura a toda a prova, a que não seria alheia a insuficiência hormonal inerente à provecta idade e a surdez que o isolava de tudo o que não visse. Lia muito o Senhor Desembargador, em especial, sobre a disfunção eréctil, até sobre as recentes experiências americanas de implantes de hastes flexíveis nos corpos cavernosos penianos. Habituara-se e conformara-se, porém, à inevitabilidade de só conseguir urinar para a biqueira da bota. E, na parte que lhe dizia respeito, o assunto estava encerrado. "Agora? Bau, bau, Senhor Dr." - como ele resumia a situação quando falava com o seu médico assistente a propósito de eventual , mas sempre frustrado, ressurgimento anímico. Por isso, era um cavalheiro no trato de Alzira. Mas a mulher do Senhor Desembargador, a D. Arlete - que nos seus tempos áureos à esquina da Rua de Santa Justa com a dos Correeiros fora a Lete Mamalhuda -, não conseguia desviar os olhos da criada. Destravou-se no seu íntimo uma surpreendente e babada obsessão pelas carnes frescas de Alzira. Passou a dar-lhe roupas, só para a ver despir e vestir e provar tamanhos e fazer emendas e vestir e despir outra vez e emendar mais um pouco. Tantas tardes inteirinhas naquela perfeccionista costura tão juntinha, tão chegadinha, tão apertadinha. Tudo para se permitir roçagar nas nádegas e peitos firmes enquanto ajustava as cetins às formas intocadas da criada. Numa noite de trovoada, com o Senhor Desembargador a ressonar ao desafio com a intempérie, a D. Arlete com o pretexto do medo dos relâmpagos, entrou no quarto de Alzira e, sem nada dizer, levantou a borda das mantas e meteu-se na cama. A criada ainda pensou dizer que não, que não queria, mas curiosa abandonou-se às investidas da patroa. Só com a trovoada saciada em ecos distantes e esgotado o dilúvio se apercebeu dos benefícios futuros da situação. Passaram-se dois anos de terna, suave e inalterada convivência.
Subitamente, o Senhor Desembargador recebeu como hóspede um sobrinho de uma afilhada que frequentava a Escola Naval. Chamava-se Alfredo, tinha vinte anos, um ar imberbe e pilosidades louras - o que aliás lhe garantira por parte dos colegas do quarto de vigia a bordo da corveta Nampula o tratamento por filha. Apesar de provavelmente equivocada, Alzira caiu fulminada de paixão pelo Alfredo. Nos fins-de-semana alternados que o Senhor Cadete passava em casa, Alzira perfumava-se toda violentamente, até lavava a cabeça e depilava os sovacos de véspera. Chegou mesmo a encher-se de coragem para pedir por empréstimo à patroa o baton escarlate. Tudo para receber condignamente o seu riquinho. Guardava religiosamente num medalhão que trazia aconchegado à depressão quentinha do colo todos os cabelos louros do Alfredo que recuperava das roupas despidas e da banheira. Conseguiu até extraviar uma camisa da ordem manchada de salpicos salgados, que escondia debaixo da almofada para a cheirar sofregamente sempre que o marinheiro lhe apetecia. A D. Arlete ia aconselhando maternalmente Alzira para ter cuidado, para não se precipitar, ainda és muito nova, se calhar ele não é o que tu pensas, aparentemente receosa das consequências da falta de reciprocidade na devoção, pois que o Alfredo só dirigia à pobre da criadita um tratamento distante e frio que muito a desesperava. Se bem que não conseguisse disfarçar uma improvável fixação pela volumosa peitaça da D. Arlete sempre que ela e as suas duas amigas lhe passavam pela frente.
Ao fim de três meses de inconsequentes tentativas de sedução, Alzira chegou do mercado de sábado e subiu ao primeiro andar a saber do despertar do bem amado para lhe levar o pequeno almoço à cama, como sempre fizera. Ouviu uma restolhada. Espreitou pelo buraco da fechadura. Deparou com o Alfredo vestido com uma das suas camisas de dormir deitado de costas enquanto a D. Arlete o cavalgava de forma decidida, enérgica, voluntariosa, empenhada, até violenta, selvagem e furiosa, rugindo com raiva e frustrado desespero "não t'encoooolhaaaaaaaasss."
Alzira deitou a correr para o seu quarto no sotão. Arremessou as roupas para dentro de uma mala de cartão e largou daquela casa para nunca mais. Não lhe doía a dupla traição da patroa, a sua velhaca atitude de pretender criada e cadete em simultâneo. Magoava-lhe, sobretudo, a utilização abusiva da sua camisa de dormir. Porcos, ao menos que respeitassem a sua roupa íntima.
Vagueou, alheada, vazia e sem destino pelo empedrado das ruas e vielas até que, cansada e com fome, resolveu contratar um quarto ao mês para os lados da Rua da Palma. Logo na primeira noite Alzira foi convidada pela dona da pensão para conviver, à percentagem, com um marinheiro russo com uma tatuagem no antebraço que dizia "amor de mãe" em cirílico e uma arara branca ao ombro. O Ivan estivera 18 meses seguidos no mar, mas devia apresentar-se manhã cedo no navio, The Ox's Joy - A Alegria do Boi, para quem não saiba falar estrangeiro -, um graneleiro de dez mil toneladas, atracado ao cais da Matinha para descarregar hulha e meter pirites. Alzira nem esboçou uma hesitação. Estava por tudo. Verdade seja dita que o Ivan não foi bruto. Até foi delicado e cortês. Alzira que nunca ouvira dizer que pudesse haver alguém que se aguentasse noite fora até de manhã, surpreendeu-se, tomou-lhe o gosto e daí em diante só escolhia heróis do mar, na esperança de encontrar um equivalente àquele Ivan, terrível, e para se lembrar, pelo cheiro a maresia das roupas, do inconcretizado Cadete que a preterira pela peituda da patroa."
(continua)
Subitamente, o Senhor Desembargador recebeu como hóspede um sobrinho de uma afilhada que frequentava a Escola Naval. Chamava-se Alfredo, tinha vinte anos, um ar imberbe e pilosidades louras - o que aliás lhe garantira por parte dos colegas do quarto de vigia a bordo da corveta Nampula o tratamento por filha. Apesar de provavelmente equivocada, Alzira caiu fulminada de paixão pelo Alfredo. Nos fins-de-semana alternados que o Senhor Cadete passava em casa, Alzira perfumava-se toda violentamente, até lavava a cabeça e depilava os sovacos de véspera. Chegou mesmo a encher-se de coragem para pedir por empréstimo à patroa o baton escarlate. Tudo para receber condignamente o seu riquinho. Guardava religiosamente num medalhão que trazia aconchegado à depressão quentinha do colo todos os cabelos louros do Alfredo que recuperava das roupas despidas e da banheira. Conseguiu até extraviar uma camisa da ordem manchada de salpicos salgados, que escondia debaixo da almofada para a cheirar sofregamente sempre que o marinheiro lhe apetecia. A D. Arlete ia aconselhando maternalmente Alzira para ter cuidado, para não se precipitar, ainda és muito nova, se calhar ele não é o que tu pensas, aparentemente receosa das consequências da falta de reciprocidade na devoção, pois que o Alfredo só dirigia à pobre da criadita um tratamento distante e frio que muito a desesperava. Se bem que não conseguisse disfarçar uma improvável fixação pela volumosa peitaça da D. Arlete sempre que ela e as suas duas amigas lhe passavam pela frente.
Ao fim de três meses de inconsequentes tentativas de sedução, Alzira chegou do mercado de sábado e subiu ao primeiro andar a saber do despertar do bem amado para lhe levar o pequeno almoço à cama, como sempre fizera. Ouviu uma restolhada. Espreitou pelo buraco da fechadura. Deparou com o Alfredo vestido com uma das suas camisas de dormir deitado de costas enquanto a D. Arlete o cavalgava de forma decidida, enérgica, voluntariosa, empenhada, até violenta, selvagem e furiosa, rugindo com raiva e frustrado desespero "não t'encoooolhaaaaaaaasss."
Alzira deitou a correr para o seu quarto no sotão. Arremessou as roupas para dentro de uma mala de cartão e largou daquela casa para nunca mais. Não lhe doía a dupla traição da patroa, a sua velhaca atitude de pretender criada e cadete em simultâneo. Magoava-lhe, sobretudo, a utilização abusiva da sua camisa de dormir. Porcos, ao menos que respeitassem a sua roupa íntima.
Vagueou, alheada, vazia e sem destino pelo empedrado das ruas e vielas até que, cansada e com fome, resolveu contratar um quarto ao mês para os lados da Rua da Palma. Logo na primeira noite Alzira foi convidada pela dona da pensão para conviver, à percentagem, com um marinheiro russo com uma tatuagem no antebraço que dizia "amor de mãe" em cirílico e uma arara branca ao ombro. O Ivan estivera 18 meses seguidos no mar, mas devia apresentar-se manhã cedo no navio, The Ox's Joy - A Alegria do Boi, para quem não saiba falar estrangeiro -, um graneleiro de dez mil toneladas, atracado ao cais da Matinha para descarregar hulha e meter pirites. Alzira nem esboçou uma hesitação. Estava por tudo. Verdade seja dita que o Ivan não foi bruto. Até foi delicado e cortês. Alzira que nunca ouvira dizer que pudesse haver alguém que se aguentasse noite fora até de manhã, surpreendeu-se, tomou-lhe o gosto e daí em diante só escolhia heróis do mar, na esperança de encontrar um equivalente àquele Ivan, terrível, e para se lembrar, pelo cheiro a maresia das roupas, do inconcretizado Cadete que a preterira pela peituda da patroa."
(continua)
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