MORALISMOS
A propósito do Ricardo Riccò ter sido apanhado nas malhas do doping, o amigo sempre na roda escreveu (...) informo apenas que o nova substância chamada CERA (Continuous Erythropoiesis Receptor Activator), é um novo produto usado nos tratamentos do cancro e só entrou no mercado comercial este ano. Este novo produto tem uma longevidade muito maior, o dopante não precisa de injectá-lo tantas vezes para produzir o mesmo efeito que os produtos mais antigos. Sabe-se que no Giro ainda não havia processo para detectar este novo produto..."
Pelo que julgo saber, o controlo do hematócrito - grosseiramente, percentagem de glóbulos vermelhos por unidade de sangue - é feito por comparação com registos anteriores. E se ocorrer uma variação significativa, isso indica que o atleta usou um produto que estimulou esse aumento. Por norma, a Eritropoietina. Ou seja, por cada toma de produto, o hematócrito revelava um pico denunciador. Mas se a EPO não causasse esse pico e permitisse manter um nível constante de elevado hematócrito, então já não seria facilmente indiciável. A desculpa era que o atleta já tinha à partida um hematócrito muito elevado, por razões genéticas ou de treino específico.
Pelos vistos a CERA veio resolver esse problema das variações bruscas do hematócrito, pois bastam 12 injecções mensais para que o atleta mantivesse o hematócrito constante ao longo do ano.
Agora descobriram esta mensal, mas ainda vai surgir uma outra em que bastará uma injecção por ano, e depois uma injecção a cada cinco anos...
A propósito do inexplicado abandono que a Rabobank impôs a Rasmussen quando este liderava o TOUR dei por mim a conjecturar sobre a hipótese de eu ser o Director de uma Equipa, saber que um atleta meu usava um produto novo, ainda não detectável, que na presente época ainda escaparia à vergonha do doping, mas que mais tarde ou mais cedo seria apanhado. As alternativas eram três: continuar como nada se passasse e arriscar; revelar tudo às autoridades, o novo produto, os meandros comerciais, etc.; ou obrigar o atleta a desistir, invocando uma outra qualquer razão. Com esta terceira alternativa, não reconhecia publicamente que sabia do doping, não entalava muito o atleta, dava um ar de honestidade genérica e acautelava o futuro da equipa de forma a que não me pudessem vir a acusar de conivência. Mas isto é só uma especulação.
O desporto profissional não vive sem o uso de substâncias que melhorem o rendimento físico. Os regulamentos estabelecem níveis máximos de cada um desses produtos que um atleta pode exibir quando for controlado. Por isso, a regra é poder tomar todos esses produtos, DESDE QUE NÃO SE ULTRAPASSEM OS LIMITES.
Paralelamente, vão-se desenvolvendo drogas novas, que se vão utilizando enquanto as autoridades desportivas não descobrirem que essas drogas existem e enquanto não estabelecerem os limites até aos quais será legítima a sua utilização.
É um eterno jogo do gato e do rato que, em última análise, suja toda e qualquer vitória de um atleta, pois que o ganhador deste ano poderá estar a utilizar uma droga que só daqui a 5 anos vai ser descoberta pelas autoridades, quando o atleta já não puder ser controlado. Foi este raciocínio que os franceses aplicaram a Armstrong, tentando denegrir as suas vitórias. O que até faz sentido, dado que ciclistas como Zabel e Rhiis vieram agora declarar que há dez anos atrás usavam EPO, numa época em que as autoridades a não conseguiam detectar. E sabendo nós que a testosterona aplicada artificialmente pode desenvolver tumores testiculares...
Ademais, o próprio treino traduz uma forma de doping. Pois o atleta intensifica o exercício para estimular a criação de mais fibras musculares, mais glóbulos vermelhos, enfim, para desenvolver de forma pouco natural todos os compostos orgânicos e químicos de que o seu corpo necessita para poder ter mais força, mais rapidez, mais elasticidade. O treino em altitude, para reforço do hematócrito, é uma prática habitual na alta competição. Há uma Triatleta que dorme numa tenda isobárica para obrigar à criação de mais glóbulos vermelhos. E, neste particular, fico a pensar qual a diferença entre esta prática e a auto-transfusão. Se o sangue que o atleta usa em auto-transfusão for seu e só seu e enriquecido em altitude com o seu treino, não vejo como esta prática não possa ser legítima. O sangue que usa está enriquecido, mas foi com o seu esforço de treino. O que interessa se esse treino aconteceu hoje de manhã ou o mês passado ?...
Ou seja, mais vale que se liberalize o doping. Acabam-se as dúvidas e todos passam a estar em igualdade. Os limites seriam apenas os da garantia da vida do atleta. E o médico de cada equipa que se responsabilizasse.
Aliás, no culturismo o doping é admitido. E usa quem quer. E arrisca quem quer.
Viver-se neste clima de falsos moralismos é que não vale a pena. Haverá algum ciclista que, numa qualquer época da sua carreira, não tomou um "revigorante" de legalidade duvidosa ? Agostinho não foi apanhado, sendo célebre a sua frase "isto não vai lá só com bifes" ? Venceslau não foi apanhado ? Diminui a minha admiração por eles ? Claro que não.
8 Comments:
Carneiro, é mesmo isso.o teu raciocínio e as afirmações teóricas também me parecem estar certas.
Há muita hipocrisia no meio de todas essas polémicas.
E mais grave é o facto de todos os anos estimularem os atletas a bater marcas anteriores,obrigando-os a subir rampas cada vez mais ingremes e longas,pedindo-lhe médias mais altas,promovendo cada vez mais o espectáculo directo e televisivo e exigindo constante superação,elevando os desgraçados ciclistas à condição desumana de super-homens....Lamentável.
Caríssimos, eu não acho que seja por isso ou pelo menos exactamente assim. Recuando às primeiras edições do Tour, lá estava o doping. As rampas são as mesmas, a frequência com que aparecem e a distância de algumas dessas etapas é que vai aumentando. Mas se melhoraram as condições de treino, os equipamentos e tudo no ciclismo, é normal que aumentem as dificuldades.
Faz-me mais confusão que a própria UCI permita o uso de algumas substâncias em níveis tão elevados. Quem anda no limite...
O doping liberado também não resolve de vez a questão porque aí passará a liderar quem tiver o melhor laboratório, com prejuízo para o treino. De resto acredito que actualmente todos eles correm mais ou menos em condições semelhantes, sendo que os "apanhados" são os azarados a quem falha a combinação vencedora. O que lixa a parte da falsa moral, eu sei.
Obviamente nada disto me faz gostar menos do ciclismo. E quanto aos discursos do "é a morte do ciclismo e do tour" que já vamos ouvindo, são os mesmos idiotas de sempre que acreditam que o seu desporto favorito, seja ele qual for, é a montra da virtude, e/ou aqueles que, como diz o Carneiro, nunca deram ao pedal.
Estou absolutamente contigo.
E até digo mais:
Tenho dúvidas de que a "verdade desportiva" seja adulterada pelas ditas substâncias e/ ou técnicas, pela simples razão de que todos as usam, mais miligrama, menos miligrama.
Boa noite.
É certo que atletas a tomar doping existirão sempre, tal como drogados existirão sempre, no entanto não podemos permitir essas atitudes. Mesmo que haja infractores temos que condená-los e puní-los.
Ainda para mais no desporto que tenta passar uma mensagem de saúde, apesar de na alta-competição já quase totalmente desfigurada da realidade, é verdade.
No entanto penso que no ciclismo as coisas estão a melhorar, as equipas com programas de controlos internos são uma prova disso. Ainda haverá muitos Tour com casos como o deste e último ano, até os corredores perceberem que um dia serão apanhados e as equipas zelarem pela limpeza dos seus corredores, em vez de se afastarem e olharem para o lado, mesmo sabendo que estes andam a infringir as leis.
Em relação ao comentário do anónimo, também não concordo com o facto do doping estar directamente relacionado com a dureza das corridas.
Em outras modalidades como o baisebol, natação, atletismo (100m) também há casos de doping. Haverá sempre doping e não é por causa das distâncias ou dificuldades do percurso, são os atletas que fazem o desporto duro independentemente de outras adversidades.
No entanto há alguns records que já não são batidos, tais como algumas subidas feitas por Pantani, por exemplo...
Olá,
Acho uma tristeza esta corrida ao fármaco indetectável.
Recordo-me que por volta de 2004 morreram de ataque cardíaco o Dennis Zanette, o Jimenez, Fabrice Salonson e mais uns 2 ou 3. No ciclismo isto é entendido como tiveram "azar" ou " ariscaram demais"... Não me lembro de nenhum outro desporto onde morram atletas como moscas e nada se passe ano após ano.
O doping para mim não é uma questão de estar do lado dos bons ou dos maus ou de ser "o sistema". É mesmo uma questão de falta de carácter de todos os envolvidos. O que no meu caso, diminui claramente a minha admiração pelos envolvidos. Mais grave torna o doping uma banalidade perigosa para praticantes anónimos.
Acho que o DOPING NUNCA DEVERIA SER LEGALIZADO.
Estamos a testar humanos e não farmacêuticos.
As provas estão mais fáceis do que eram a dezenas de anos atrás (quando ainda nem se sabia o que era o Doping).
É ridículo... são profissionais... o nível é grande sim senhor.. a pressão é muita.. bla bla..
Foquem-se só numa prova e trabalhem para ela... nos tempos modernos um atleta se quer vencer só se pode focar numa prova... trabalhe para isso dedique tudo a isso e vai ver que consegue.. o Mellow Johnny conseguiu 7 vezes e foi Detestado pelos Franceses e o atleta mais testado de todos os tempos e nunca encontraram NADA.
Trabalhem e sejam aquilo em que estão..... Atletas profissionais, cheguem até onde possam com respeito, honestidade sem atalhos sem aldrabices.
Cumprimentos
NG
Pois, eu, acho que se percebia, não sou a favor doping. O que é diferente, e é o que afirmo, de continuar a gostar da modalidade apesar dos casos. Como continuo a gostar de atletismo, de ginástica desportiva, de basquete, and so on. O que me irrita é a sede de sangue dos opinadores cá do burgo, que só se lembram de que o ciclismo existe para tentar fazer dele o vilão das modalidades. E é inútil fazerem-se de virgens, todos são ajudados por qualquer coisa em todos os desportos (vide Xadrez e Golf). E caro Pedro, quanto a "corações destroçados" por batoteiros do doping, eu falo de cadeira. Tinha muita simpatia pelo Virenque... pelo Riccò...
Quanto às mortes, outras modalidades houve em que tal sucedeu. No ciclismo é mais comum talvez devido à combinação dependência a tudo que prometa resultados/esforço singular da modalidade.
Amigos, não vou responder individualmente, tantas são as questões levantadas.
E todas as opiniões expostas são respeitáveis e fundamentadas.
O meu ponto - que vale tanto como qualquer outro - centra-se na autorização das drogas até certos limites... Esta, para mim, é a verdadeira hipocrisia. Pois a partir do momento intelectual em que se aceita a utilização de uma droga - mesmo num limite mínimo - está-se a admitir o uso de droga. A partir deste momento intelectual, já não é feio "roubar". Só é feio "roubar" muito... Partimos do princípio de que, dentro de certos limites, o roubo é legítimo.
è como a história da "puta já temos, só falta saber quanto temos de pagar..."
Ora roubar é como ser-se paneleiro (com o devido respeito pelos homossexuais). Ou se é ou não se é. Não há meios-paneleiros como não há meios-ladrões. Ninguém anda a levar mais-ou-menos no cú (excuse my french...). Ou leva ou não leva.
A prova da legalização da roubalheira é o facto - surpreendente - de cerca de 70 % - SETENTA POR CENTO - dos ciclistas admitidos aos jogos olímpicos declararem sofrer de asma, podendo, por essa razão, beneficiar do uso de doses de, por exemplo, efedrina ( que é um broncodilatador proibido)...
Coitados dos outros 30% que não podem usar o broncodilatador. Mais valia que todos usassem...Digo eu.
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