quinta-feira, abril 03, 2008

ITER, O CAMINHO

A peregrinação é dos comportamentos de tipo religioso mais antigos no homem. Antes das demandas cristãs pelas relíquias, já os homens faziam viagens para visitar templos animistas, templos de oráclos, locais onde fosse mais provável a presença da divindade. Muitas vezes "a viagem" era requisito de ritual da passagem ao estatuto de caçador ou de guerreiro. O essencial é o 'iter', o caminho. A purificação pelo esforço e pela dedicação desse esforço a uma intenção superior. E o teste público de coragem, de arrojo e de temeridade. Ou seja, a simulação ritualizada do percurso da vida que conduz ao seu fim último imaterial e eterno.
Na prática é a superação da dificuldade, da dor e do sofrimento, a antecipação da chegada, o orgulho por se ter conseguido. E quando se chega, pensa-se logo em partir outra vez. Cada Homem tem os seus deuses e os seus fantasmas. Há alguns, até, que acham que o deles é que é o verdadeiro. Essa discussão não é a minha. De cada árvore e de cada flor silvestre na beira do caminho recolho o cheiro da vida, bebo fresca a água que escorre da bica para a valeta e oiço o meu coração a bater de cansaço, de excitação e de saúde. E, quem sabe..., talvez encontre o meu Deus.
José Hermano Saraiva explicou que o Santiago, decapitado na tradição histórica cristã, não corresponde aos ossos que estão depositados em Compostela. Explicou o Mestre que por volta do ano mil da nossa era, pela Galícia surgiu um poderoso chefe tribal que se arrogou de Rei e combateu o poder do Rei de Leão, um dos tais Afonsos sexto ou sétimo, por aí. O Chefe tribal foi derrotado e decapitado. Os seus seguidores enterraram-no com honras de rei e de santo (naquela altura santo era aquele que combatia pela fé, exactamente como os mujahedines de hoje também são santos). E durante duzentos ou trezentos anos organizaram-se peregrinações ao local mais com intenção política de desafio ao rei de Leão, do que por motivos religiosos. Entretanto a Igreja de Roma foi tomando conta do negócio e surgiu a associação entre aquela ossada e os hipotéticos ossos de Santiago, decapitado cerca de mil anos antes, pois que se tratou de um contemporâneo de Jesus.
Todos nós, eternos peregrinos, necessitamos de um local que seja o destino das nossas peregrinações. Nem todos conseguem fazer peregrinações em círculo fechado, para chegar ao local da partida, como realizei nos dois últimos anos. Garanto que é muito mais aliciante fazer uma peregrinação dirigida a um local, lá longe, remoto, pouco acessível.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Lindo!..estás um filósofo :-)


«Entretanto a Igreja foi tomando conta do negócio»

...os negócios da 'china' (politicos e religiosos) que não se fazem à custa das diversas fés humanas...desde os tempos mais remotos.
Há sempre uns quantos, uma minoria, a aproveitar-se dos outros muitos, muitos, muitos.

E isto nunca vai ser possível de mudar, a menos que se extermine esta 'raça' mas depois lá nos chamavam ditadores :-)
...


Outra coisa, esta viagem de 6dias, é para cima. E para baixo? voltam de comboio? :-D

10:33  
Blogger carneiro said...

é a economia, Maria, é a economia. Desde sempre. É mesmo assim, não vale a pena acharmos que é possível viver sem ela.

10:58  
Anonymous Anónimo said...

economia, quer-se dizer, é o Capitalismo ;-)



Atão mas e a volta para baixo, é de TGV?

11:57  
Blogger carneiro said...

a volta é em minibus. Estes percursos não são em autonomia com o reboque ou malas como costuma fazer em solitário. Vão carros a acompanhar, para dar assistencia, almoço e levar as malas...

13:12  

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