TARDES DE PRAZER
O pior era alguns comentadores. Por um ano, o inigualável e inconfundível Dias Agudo tornou-se num especialista em ciclismo para a Eurosport. Assim, sem mais. De repente, apareceu consagrado como um especialista em ciclismo. Tinha por hábito no ínício da transmissão fazer uma descrição gongórica do perfil da etapa, assinalando aquilo que na óptica dele seriam os pontos de maior interesse. Numa daquelas etapas planas para roladores e sprinters, com mais de duzentos quilómetros, Orlando avisou logo no início das mais de 5 horas de transmissão: "Esta etapa não tem qualquer ponto de interesse, à excepção de uma passagem-de-nível a dois quilómetros da chegada; vamos lá a ver se não surge nenhum problema com a passagem de algum comboio..."
Estive quase para desligar o televisor. Como a etapa não tinha interesse...mas aquilo da passagem-de-nível prometia emoção. Decidi ficar para ver se a tão problemática passagem-de-nível ia ou não merecer a atenção de uma tarde inteira.
E durante as mais de 5 horas de transmissão, o novél especialista em ciclismo ia avisando: "agora não se está a passar nada de especial, mas a dois quilómetros da chegada existe uma passagem-de-nível; vamos lá a ver se não surge nenhum problema com a passagem de algum comboio..."
E repetia a referência à passagem-de-nível a cada dois minutos de comentário em directo. Ao mesmo tempo que trocava os nomes aos ciclistas. Era capaz de chamar Escartin ao Zabel. Os espectadores fartos de ver que era o Zabel, na legenda do ecran aparecia escrito Zabel, o estado civil do Zabel, a data de nascimento do Zabel, o número do bilhete de identidade do Zabel, mas o Zabel na boca do comentador continuava a ser o Escartin....
Quando atingimos os ultimos 10 Km da etapa, iam fugidos dois ciclistas. E os avisos do comentador começaram a assumir alguma dramatismo e até alguma dose de angústia: "Vamos lá a ver se não surge nenhum problema com um comboio na passagem-de-nível..." O climax aproximava-se. E os espectadores, eu incluído, roíam as unhas para que não surgisse nenhum problema com um comboio na passagem-de-nível...
E quando os ciclistas em fuga se aproximaram da passagem-de-nível, talvez a dois quilómetros e meio da meta, o realizador da transmissão mudou a imagem para o pelotão que estava a 5 Km. E ouvia-se o incansável comentário "...vamos lá a ver se ...passagem de nível... problema... comboio...".
Quando a imagem voltou aos fugitivos, já estes estavam no último quilómetro, e o comentador esclareceu num misto de alívio e preocupação: "Os fugitivos conseguiram ultrapassar a passagem-de-nível sem problema. Vamos lá a ver se o pelotão não fica preso por algum comboio..."
O realizador da transmissão manteve no ar as imagens do sprint entre os dois fugitivos e só depois da chegada e de duas repetições passou a imagem para o pelotão. Que já estava a entrar no último quilómetro...
E o comentador, novél especialista em ciclismo, radiante, fora de si de contentamento, quase gritava:"Ainda bem que não houve nenhum problema com a passagem-de-nível..."
Porra, pá. E a passagem-de-nível ? Eu quero ver a passagem-de-nível. Eu exijo ver a passagem-de-nível... Não saio daqui enquanto não me mostrarem a passagem-de-nível...
1 Comments:
Só depois da professora de Mértola é que percebi o interesse do autor em ver a passagem de nível.
Pelos vistos não viu antes nem viu depois porque
AM= antes de Mértola
FM= depois de Mértola
e os gajos não dão imagens dentro de Mértola.
Paciência compadre
El Monti
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