A RAZÃO DE JERÓNIMO
Jerónimo propôs uma política que «impeça as grandes superfícies de engordarem à conta dos pequenos e médios agricultores», lutar contra a «desregulamentação das quotas leiteiras e dos direitos da plantação de vinha», entregar «a terra a quem a quer trabalhar» e «incentivar a actividade piscatória e fomentar a construção naval».
É preciso que ao longo dos anos os disparates cometidos tenham sido muito graves para que um Partido Comunista consiga ter razão. Eu apenas emendaria a parte das culpas do CDS. Historicamente nunca teve responsabilidades ministeriais na Agricultura e se houve Partido Político que nunca esqueceu o tema agrícola foi exactamente o CDS. Nesta parte é o ódio à direita que fala por Jerónimo. Repara-se que a "terra já não é" "para quem a trabalha". Passou a ser "para quem a quer trabalhar". O que é muito diferente da intenção colectivizadora dos anos 70 do século passado. E porque haverá muitas formas de "entregar a terra a quem a quer trabalhar", em especial por contrato, o princípio que já vem da Lei das Sesmarias faz todo o sentido.
Ao contrário de outras actividades económicas, a Agricultura deve ser regulada, interna e comunitariamente. A lei da oferta e da procura não pode ser aplicada sem mais, pois um pomar de frutícolas, uma vinha ou um olival não podem mudar de um ano para o outro em função da procura do mercado. São investimentos plurianuais, por vezes com ciclos de dezenas de anos e sujeitos às variáveis atmosféricas. Por isso, deve existir um preço mínimo garantido para um cabaz de produtos classificados como essenciais ao interesse nacional. Ademais, a alimentação de um povo faz parte do conceito de Defesa Nacional porque em caso de guerra não chegam os canhões. A autosuficiência em feijão e batata são essenciais. A questão das grandes superfícies é muito actual. Os grandes distribuidores impõem contratos selvagens e humilhantes aos agricultores, pagando a 16 centimos as peras que vão vender a € 1,49. Pagam a 3 meses, por vezes a 4 e a 5 meses. Obrigam à oferta de toneladas gratuitas para promoverem campanhas de desconto ao consumidor final, etc. A razão entre o preço da compra e o da venda chega a ser de 10. É certo que existem custos de embalagem, transporte e quebras, mas comprar por um e vender por dez até ofende o sentido ético e moral de uma sociedade bem formada. O Pingo Doce é o maior importador nacional de hortícolas e frutas e o 4º maior importador nacional absoluto, atrás da Galp e indústria automóvel.
Por isso, uma articulação entre a produção agrícola, o escoamento comercial e o consumo do produto nacional é essencial para que a Agricultura possa contribuir para a riqueza e o emprego nacionais. O próximo Ministro da Agricultura tem que ser, também, o Polícia da decência comercial dos hiper-mercados. Porque é nos hiper-mercados que se cruza a dupla exploração do produtor e do consumidor. O lucro é legítimo, o lucro é o motor da sociedade, mas o lucro não pode, nunca, ser abusivo e obtido à custa da fragilidade do produtor. O consumidor facilmente se defende do preço excessivo, evitando a compra. Mas o consumo não pode ser incentivado baixando-se sistematicamente o preço à produção só para se manter inalterada a margem de comercialização do intermediário.
E os economistas têm que perceber que produzir sapatos ou azeitonas não é a mesma coisa. As regras do mercado têm que ser flexibilizadas na parte agrícola. Não por sermos contra o mercado livre, mas porque a liberdade só é plena se as diferenças forem suficientemente salvaguardadas.
Finalmente, quase que me esquecia de lembrar que os pequenos e médios agricultores que Jerónimo agora defende (e bem) eram os mesmos a quem o Partido Comunista em 1974/75 queria expropriar as terras e obrigar a trabalhar como escravos em Unidades Colectivas de Produção lideradas por Comissários Políticos. Apesar de actualmente os Comunistas terem razão na análise de alguns problemas, convém não esquecer o que eles foram e o que eles ainda são.
2 Comments:
Inteiramente de acordo!!!
P.S. (salvo seja) - Se a imagem já é o resultado do último fim de semana, então estou pronto para investir na sociedade (principalmente com trabalho, muito trabalho). Fico à espera das propostas...
Abraço
Mais uma vez, completamente de acordo. E por ter alguma coisa a ver com a agricultura, conto-lhe mais este mimo portuga: um parente meu, cansado de aturar as loucuras chavistas e já com um bom pé de meia amealhado em quase cinquenta anos de Venezuela, pensou em arranjar com que se entreter e para isso pensou adquirir oito pequenas ou pequeníssimas parcelas de terrenos agrícolas (em reserva agrícola, não urbanizáveis, nada de confusões...)) há largos anos ao abandono numa área nas traseiras do quintal dele e fazer ali qualquer coisa interessante em matéria agrícola. Contactou os proprietários, tudo gente completamente fora da agricultura, acordaram preços, foi à Conservatória... e ficou a saber que a maior parte dessas pequenas parcelas lhe ficavam mais caras na escritura do que no preço da terra...Elucidativo de como se afastam os que ainda pensam na terra, penso eu...
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