quarta-feira, abril 15, 2009

HISTÓRIAS - I

Por vezes ponho-me à prova e escrevo histórias. Tudo começou quando as enviava para o Bombarral, para o meu compadre JF, que era o meu mais entusiástico leitor. A minha comadre chegou, até, a manifestar algum desconforto pela leitura hilariada que o marido guardava sempre para o adormecer e com a qual se desculpava para não fazer o que devia. Para evitar mais problemas entre ambos deixei de escrever. Uma vez arrisquei a publicação de algumas das histórias num blogue, que uma especial amiga, a E., me abriu expressamente para o efeito. Sabia lá eu abrir um blogue.
Os meus amigos mais antigos já conhecem estas histórias e podem passar ao lado da respectiva leitura. Os que ainda não conhecem, façam o mesmo.
Mas em homenagem aos Sport Lisboa e Benfica, a primeira história é a de um benfiquista. E nem é para abrasar o benfiquismo. Então, é assim:
"Asdrubal tinha 40 anos de idade. Solteirão. Não tanto por vontade, mas por falta de jeito. Para com as mulheres. Só conseguia enfrentar as casadas. De preferência com amigos seus. Tratava-as como irmãs, como prolongamentos dos respectivos maridos. Até conseguia brincar quando o picavam, reclamando por ele nunca apresentar uma namorada. Não me digas que viraste, tentavam envergonhá-lo. Respondia sorridente e seguro que ainda não tinha nascido a mulher que o merecesse e como a única que o poderia interessar - referia-se galanteador à interlocutora - tinha casado com o seu melhor amigo...
Mas Asdrúbal reagia assim para disfarçar a sua timidez para com as mulheres e a sua inferioridade para com os amigos casados. Não era bem uma frustração. Era apenas uma sensação de vazio, de incompleto. No fundo invejava os amigos casados, a naturalidade com que cada um deles se referia no possessivo à respectiva mulher, o chilreio das crianças. Já respondera tantas vezes que ainda não tinha nascido a mulher que o merecesse que acabou por acreditar nessa polida explicação. Os amigos apresentavam-lhe solteiras, divorciadas, jovens viúvas com casa posta. Para o desemperrar, para o ajudar na dificuldade inicial. Mas Asdrúbal, sempre que se apercebia da potencialidade matrimonial da apresentação embatucava. Perdia o á-vontade, corava, engasgava as palavras. Olhava para a mulher e avaliava-a fisicamente. Não como ela era no momento, mas como viria a ser dali a vinte anos. Antecipava de imediato as décadas, e via-a gorda e flácida, a ralhar com ele, a reclamar por tudo e por nada. Asdrúbal fora criado por uns tios. E a Tia passava a vida a recriminar tudo e todos. O marido, por chegar tarde e o jantar estar frio, por chegar cedo e o jantar não estar pronto. O Planeta, por ser verão e estar calor, por ser inverno e o raio do tempo nunca mais aquecer. Os vizinhos, por terem filhos, que barulheira, por não terem, queriam levá-lo todo para a cova. Asdrúbal bem presenceara a vida amargurada do Tio, que tudo ouvia e calava para não potenciar mais gritaria. A Tia era gorda e anafada. Mas em solteira fora elegante e vistosa, conforme a caprichada fotografia em cima da televisão o comprovava. E Asdrúbal desde tenra idade que associara o casamento à obesidade feminina e às reclamações matriarcais. Mais, não se devia confiar numa mulher que fosse elegante e delicada aos vinte anos, pois que aos cinquenta seguramente estaria transformada numa megera anafada, flácida e exaltada. Bastava conhecer as mães delas para a confirmação genética. Por isso, nunca exercitara os modos da sedução, as palavras do cortejo, ainda menos os arrebates da paixão transportados no perfume de uma flor ou na graciosidade de um verso. Quando frequentava os bailes, não dançava. Ficava-se pelo bar a meter imperiais, a descascar tremoços. Normalmente servia de cabide aos amigos que lhe confiavam os blusões e os casacos para se poderem libertar na dança, na sedução dos corpos, até para dançar mais apertadinho naquela triste figura de esfregar o toucinho - como menosprezava Asdrúbal com algum amargo pelas uvas verdes. Acabou inevitavelmente por ser o padrinho de casamento de todos os seus amigos. E refugiava-se no Benfica, primeiro e derradeiro objecto do seu afecto.
(Continua...)
Nota do editor: A referência ao Benfica é uma técnica para captivar a atenção para o próximo episódio.

3 Comments:

Blogger Xantipa said...

Fico muito feliz por ver aqui estes textos!

17:48  
Anonymous Anónimo said...

Estás nervoso....és inteligente!Não te esqueças de tomar o B-bloqueante.
Hoje estou tranquilo e desejando que ganhe a equipa que mais portugueses meter em campo.
Assim,talvez:FCP 2/Manchester 1...o Nani não deve jogar.Dois a dois era mais divertido,mas morria muita gente...."NATIRRITES".
Ups!

19:15  
Blogger Elise said...

:)

19:56  

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