sábado, julho 24, 2010

A CORRENTE DO FAIR PLAY

No dia em que Contador ganha um importante prova de ciclismo internacional ao aproveitar com oportunismo e posteriores aldrabices o facto do adversário directo ter avariado numa altura crucial, relembro aqui um episódio que já contei passado com Laurent Jalabert numa Vuelta.

"Em 1995, Jalabert venceu as três "camisolas" da Vuelta. Montanha, Pontos e Geral. E protagonizou uma das mais nobres páginas do desporto.
A etapa era a 12ª com a meta no alto da Sierra Nevada. Era a mais longa com 236 Km de extensão. Um jovem alemão da Telekom, Bert Dietz, lançou-se na aventura da fuga logo na primeira dezena de quilómetros. Tão longe da meta, o pelotão deixou-o ganhar muitas dezenas de minutos. Como habitual, com o aproximar da meta, Dietz começou a perder vantagem. E na derradeira subida, que é das mais complicadas em Espanha, viu encurtada dramaticamente a vantagem. Depois da última curva, a meta já se via no final daquela derradeira rampa. Só faltavam 200 metros para ganhar a etapa-rainha da Vuelta daquele ano. Mas Jalabert que fizera a subida nos habituais esticões que rebentavam com a concorrência, contorna a última curva e dá com o Dietz na sua frente, penosamente, a tentar chegar à meta. Com facilidade Laurent Jalabert ultrapassa o adversário, que num soslaio de profunda tristeza e desânimo depois de tão prolongado esforço identifica quem o ultrapassa e abdica do seu já fraco ritmo. Mas Jalabert deixa de pedalar, olha para trás e espera. Confirmando que não precisava de ganhar a etapa por ter deixado muito atrasados os directos competidores, Jalabert incentiva Dietz a pedalar, dá-lhe ânimo e coragem para mais aquele derradeiro esforço e deixa que Dietz ganhe uma etapa em que andara fugido cerca de 230 quilómetros. Talvez a fuga mais longa de que tenho conhecimento.
Senti-me envolvido naquele acto de nobreza. Comovido até às lágrimas. Nesse dia, mesmo como simples adepto da modalidade, senti orgulho do ciclismo."

Saliento que o Jalabert ainda não tinha a vitória assegurada e que perdeu talvez um minuto com aquela atitude, para lá da pontuação do 1º lugar na Montanha e nos Pontos.

Contador pode dar muitos "tiros" vitoriosos, mas nunca será um Campeão. Porque um Campeão tem nobreza de alma. Só é adulado pelo que os rodeia, não porque inspire respeito, mas apenas enquanto ganhar. E naquele dia até foi apupado pelo público ao subir ao podium.

Ao fim de 51 anos de idade já aprendi uma coisa: pode durar mais ou menos tempo, mas quem é pequenino de alma e atrofiado de carácter, mais tarde ou mais cedo espalha-se ao comprido. Eu não lamentarei esse momento.

1 Comments:

Blogger RuiRuim said...

belo post! Assino por baixo

22:02  

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