quinta-feira, maio 07, 2009

CONTO PROLETÁRIO - PARTE III

Foi assim que Alzira encontrou e conheceu o sargento-mor de cavalaria, na altura ainda furriel, que ingressara na tropa depois de abandonar o seminário-menor por incompatibilidades com o respectivo Prefeito, um tal de Alvaro, que atribuía invariavelmente como penitência uma chuveirada gelada a todos os que confessassem sonhar com raparigas, enquanto mantinha uma semi-secreta concubinagem com a mulher do motorista e porteiro do antigo orfanato agora reconvertido a laboratório teológico.
À terceira visita, o sargento-mor, na altura ainda furriel, percebeu pelos modos suaves e trato esmerado de Alzira que tinha encontrado a mulher da sua vida. Propôs-lhe casamento. Ela aceitou mas, liminar e frontalmente, esclareceu a sua irresistível apetência pelo aroma a maresia e a sua relativa indiferença pelo cheiro a bosta das cavalariças do quartel. Se ele quisesse estabelecer uma relação a dois naqueles pressupostos odoríferos objectivos, tudo bem. Se não estivesse para aí virado, não havia nada a fazer. O sargento-mor, na altura ainda furriel, acabou por concordar em encetar uma vida a dois com Alzira, reconhecendo-lhe expressamente a liberdade para aviar, pelo menos, dois ou três marítimos por dia. A breve trecho, o sargento-mor, na altura segundo-sargento, percebeu as vantagens pecuniárias de tal associação marital. Passou a tratar das finanças da mulher, dando-lhes aplicação esclarecida e escrupulosa. Organizou uma conta-corrente. Abriu uma caderneta de poupança no Montepio Geral. Rapidamente compraram um terreno em avos para os lados da Costa da Caparica. Construíram uma casita clandestina e venderam-na a um emigrante no Canadá que ainda hoje está à espera para fazer a escritura. Com o lucro e mediante o anonimato garantido pela utilização de um testa-de-ferro, a quem Alzira pagou rápida e pessoalmente, compraram a casa da D. Arlete que a tinha posto à venda depois da morte por apoplexia do Senhor Desembargador. É que a D. Arlete andava parca de recursos, agora que tinha que sustentar o Alfredo, entretanto expulso da Escola Naval por ter sido encontrado na camarata, altas horas da noite de lábios pintados e camisa de dormir vestida, a caminho dos sanitários com um camarada - que era sonâmbulo - pela mão.
Mais tarde, o sargento-mor, na altura já primeiro-sargento, acabou por comprar o trespasse da pensão onde conhecera a mulher. Por uma questão de prestígio social e de decoro profissional, Alzira passou a exercer apenas funções de dona. Os marinheiros só eram atendidos na Primorosa de Alpalhão, onde vim a deparar com tão simpático casal. Aliás, conheci primeiro Alzira numa tarde em que voltei à minha viela completamente encharcado por uma onda que não consegui evitar quando andava na praia aos salvados. Ia pelos meus treze anos. Ao passar sob a janela, ela abriu-a e chamou-me. Subi convencido que iria ganhar uns trocos com algum recado. Porém, começou a despir-me, pensei que para um caridoso banho. De repente atirou-me para cima da cama e rasgou-me as cuecas de pele. Tornei-me homem. Só fiquei arreliado com a inutilização das minhas felinas cuecas, o que me obrigou a fazer serão durante sete dias, a coser e a moldar uma novas, enquanto suportava a incómoda e melindrosa situação de sobreviver uma semana completa desaconchegado nas minhas intimidades e sujeito a uma violenta constipação.Pouco depois, acabei por conhecer o sargento-mor, na altura sargento-ajudante. Chamou-me e deu-me vinte escudos para que fosse à praia mergulhar vestido e voltasse a correr para me apresentar à mulher. Desconfiei para quê. Porém, na altura, achei estranho que fosse o sargento, o próprio, a incumbir-me da tarefa. A situação repetiu-se mensalmente, sempre pelo quarto-minguante. Era nessa altura que Alzira tinha insónias e cefaleias. As minhas visitas salgadas aliviavam-lhe os sintomas. Ao longo do tempo fui reconhecendo o elevado nível afectivo daquele apaixonado casal, onde o marido fazia à mulher tudo, mas tudo, só para viabilizar e garantir a respectiva felicidade pessoal. Que casal perfeito, murmurava para os meus botões, enquanto olhava para a lua-cheia deitado de costas no cais do Beato ansiando a mudança da fase.
Muitos anos mais tarde, já homem feito e depois de Alzira ter falecido, comentei para o sargento-mor, na altura passado à reserva, que a liberdade que ele concedia à mulher era coisa nunca vista e muito adiantada para a época. Com a sua sabedoria militar, o velho sargento-mor, agora passado à reserva, explicou-me, citando um autor de cujo nome não se recordava, que o casamento era um fardo tão pesado que para o arrastar eram precisas duas pessoas, por vezes, três. Ou mais.

(continua...)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Eu estive lá.A única coisa que eu tenho a certeza é que a expulsão do jogador do meu "Barça" foi injusta.
Quando aos penaltis, foram só quatro que ficaram por marcar:qual é o problema?
ups!

Ps.não te esqueças que eu sou do Manchester.

12:49  

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