A GAIVOTA

O Benfiquismo é um fenómeno sociológico importante. Não estou a falar dos actuais adeptos, os que queimam autocarros ou agridem o presidente. Nem daqueles que, pessoas normais, entendem afirmar a sua distanciação por não concordarem com tudo o que vêem, enquanto sofrem em privado a frustração do descaminho continuado que receiam cada vez mais irreversível. Refiro-me àquelas pessoas que se afastaram do país nos anos 60 e 70 e que levaram na trouxa das memórias relevantes o Benfica das vitórias e dos êxitos desportivos. E porque não assistiram em directo à evolução do País, congelaram no pensamento aquele esteriótipo de Benfica que já não existe. E quando voltam, já no estado de velhos, sentem-se tão bem em Fátima, como a comer bacalhau na mesa de tábua corrida na garagem do sogro que agora é sua, como no Estádio da Luz. Porque o Benfica é também o seu regresso a casa e às origens. Respeitável, portanto, esta manifestação de afecto, mesmo que por uma realidade pretérita esgotada num contexto que não se repetirá nunca.

Vem isto a propósito de uns milionários que o outro tipo de Benfiquismo - este, o pimbalhão condizente com o padrão dos casacos que o seu presidente usava quando estava no Alverca - gosta de exibir a passear pelas instalações do Clube na esperança frustrada de cumprimentar pessoalmente os ídolos que nunca estão disponíveis para aturar labregos, ao mesmo tempo que os Relações-Públicas adulam, bajulam e mimam o milionário na esperança de gorda gorjeta para o Clube, exactamente como o mendigo nos Jerónimos perante o turista nórdico aspira à nota que lhe pague a janta e a garrafa de tinto do dia.

E, então, para se valorizar o trabalho de guia-turístico, e potenciar o volume gorgetário, chama-se a atenção para o número de degraus, que são 12, como 12 são as Taças de Portugal em Hoquei em Patins - veja-se bem que tremenda coincidência !! -, para a cadeira onde o Eusébio se sentou a semana passada onde ainda é possível perceber as marcas daqueles gluteos que tanta força deram aos remates que derrotaram a Coreia do Norte em 66, o parafuso de cabeça-de-tremoço abandonado na borda do relvado que não se sabe bem se caiu da automaca quando se virou com o Simão ou do joelho do Mantorras durante o último treino de conjunto, tudo para mostrar ao milionário os segredos da casa, aquelas coisas a que só os íntimos têm acesso.

E finalmente aponta-se para um poleiro vazio na beira do túnel de acesso ao relvado e pergunta-se ao milionário em voz bem alta e colocada para que a SIC, que está a filmar, recolha aquele momento de climax benfiquista: E aquilo sabe o que é ? E o pobre do labrego milionário diz que sim, que sabe, gagueja, falta-lhe a palavra, e sabendo que tem que dizer alguma coisa pois a SIC está ali a filmar, a dar cobertura a esta cena do mais profundo e relevante benfiquismo, arrisca: É o poleiro da gaivota !